Foucault e o estado

Foucault e o estado

Stephen W. Sawyer[1]

Tradução de Guilherme Klausner

 

Para aqueles atentos às mudanças históricas da globalização, o Estado tem, há décadas, ora servido ao capital global ora impedido seu desenvolvimento. O neoliberalismo, nesta dinâmica, propiciou novas escalas de organização política e econômica, bem como a crença na possibilidade de uma sociedade civil global, enquanto o direito internacional ostensivamente minava as funções tradicionais de poder estatal[2]. A inadequação do estado também ressoou fortemente entre os populistas que reafirmam a democracia sem pensar no estado robusto que a mantém[3]. E, em um estranho déjà-vu, os sociólogos estão novamente pesquisando outros campos: o estado lhes parece ao mesmo tempo o todo-poderoso protagonista das finanças globais ou totalmente incapaz de integrar o poder popular em nossas democracias contemporâneas[4].

No que se segue, ofereço uma análise que busca compatibilizar alguns dos pressupostos subjacentes a tais retratos do estado e, ao mesmo tempo, desafiá-los. Talvez ironicamente, eu começo voltando a Michel Foucault, um dos teóricos mais importantes no deslocamento das questões teóricas para além do estado[5]. Seu uso do termo governamentalidade, seus comentários regulares sobre as insuficiências de uma pesquisa focada estritamente no “estado” e as afirmações de que seu método implicaria “deixar de lado o problema do estado,” (FOUCAULT, 2013, p. 283) tudo isso contribuiu para a formação de uma impressão geral de que seu trabalho poderia nos levar a muitas direções frutíferas, não sendo o estado, porém, uma delas. De fato, o que tem sido comumente entendido é que Foucault estava revelando o lado obscuro de uma história bastante inocente sobre um individualismo e subjetividade liberal emancipadores e sobre o trompe l’oeil de uma sociedade civil progressista independente do estado, ao mesmo tempo em que delineava um tableau de poder mais complexo do que a ênfase marxista em um aparelho de estado-superestrutura nas mãos de uma classe dominante[6]. Em vez disso, tem sido argumentado, seu trabalho a partir do final da década de 1970, e em particular seu foco na governamentalidade, solidificou uma mudança em direção à “microfísica do poder”. Essa abordagem recusou a concepção de um estado refratário como a única sede de poder e demonstrou como estado, sociedade civil, burocracia, lei e coerção militar, entre muitos outros elementos, fazem parte de um conjunto maior de racionalidades governamentais.

Argumento, ao contrário, que o deslocamento do interesse de Foucault para a governamentalidade não representou um desinteresse no estado tanto quanto a última grande onda de mobilização democrática e globalização significou o fim do estado[7]. De fato, muitos interpretaram sua afirmação de que deveríamos cortar a cabeça do rei como um chamado para que nos afastássemos do estado inteiramente. Considerando toda a extensão de seus comentários sobre o estado, tal análise parece problemática – como se cortar a cabeça do rei pudesse significar que “o estado” não é mais uma categoria significativa para entender nosso mundo contemporâneo; como se através de um milagre metonímico decapitar o rei pudesse significar a mágica desaparição de todo o estado. E se a lição a ser aprendida da decapitação do rei é que devemos reformular nossas categorias analíticas básicas empregadas quando pensamos sobre o estado? Precisamente porque Foucault foi o primeiro a pedir a decapitação do rei, seu trabalho é um lugar apropriado para começar a esclarecer o lugar do estado. Através de suas palestras no Collège de France, ele forneceu uma noção profundamente revisada do estado. Tirando-o do centro da história, ele revelou sua permeabilidade e capacidade de resposta a outros locais de poder, como a subjetividade individual, a família, a sociedade civil, os hospícios, as escolas e vários outros órgãos e práticas. Ele se recusou a postular o estado como um conceito ou ente universal com propriedades essenciais. De sua perspectiva, não se podia determinar a natureza fundamental de uma comunidade política definindo seu estado como vermelho ou azul, fraco ou forte, centralizado ou descentralizado.

A seguir, argumento que essa abordagem do estado é original na medida em que integra a profunda ambivalência em relação ao estado que caracteriza as teorias pluralistas, bem como outras abordagens centradas na sociedade, sem jogar fora o estado em sua totalidade. Em outras palavras, a noção de estado que podemos extrair do trabalho de Foucault corta diagonalmente linhas pluralistas, neomarxistas e weberianas, incorporando as ideias de vários locais de poder e de coerção. No entanto, acenando para uma concepção original do estado que não foi devidamente explorada, ele também evitou a ideia de que o estado é uma mera ferramenta dos interesses sociais dominantes, que é apenas um poder entre muitos ou de que ele extrai qualquer poder de sua própria autonomia. Neste ensaio, tento fornecer um esboço dos principais elementos do trabalho de Foucault com o intuito de devassar novas direções no pensar sobre o estado. No centro desse empreendimento há também uma tentativa de mostrar que grande parte do trabalho mais arrojado feito sobre o estado nas últimas décadas confirma a fecundidade dessa direção. Não é meu objetivo erguer uma teoria foucaultiana do estado que possa substituir as de Hegel, Hintze, Weber, Laski, Schumpeter, Dahl, Poulantzas, Skocpol, Tilly ou qualquer outro. Em vez disso, trata-se de uma tentativa de levar a sério as descobertas empíricas que têm conduzido a um animador revisionismo do estado nos últimos anos. À medida que nossas investigações sociocientíficas do estado nos empurram em novas direções, talvez nós devamos revisitar alguns de nossos principais teóricos políticos e sociais para entender o que eles podem nos dizer sobre o estado. Por mais empolgante que a literatura sobre o estado tenha sido nas recentes décadas, carecemos de concepções mais amplas do estado que nos permitam sintetizá-las e começar a consolidar nossos ganhos empíricos.

 

COMEÇANDO PELA DÚVIDA

 

Mas é realmente tão importante providenciar para si uma teoria do estado?

O Nascimento da Biopolítica,2008, p. 91.

 

Críticos e seguidores interpretaram o trabalho de Foucault como um projeto de afastamento do estado. Nicos Poulantzas sugeriu que, “[O]s méritos incontestáveis de Foucault podem, portanto, ser encontrados em outra região. O que é verdadeiramente notável é o fato de que esse discurso, que tende a apagar o poder dispersando-o entre pequenos vasos moleculares, está obtendo grande sucesso em um momento em que a expansão e o peso do Estado está assumindo proporções nunca vistas antes” (POULANTZAS, 1980). A partir de uma perspectiva liberal, Michael Walzer afirmou que, para a teoria política de Foucault ser completa, “teria que incluir uma… análise, que Foucault não fornece, do estado liberal e do Estado de Direito.” (HOY [Ed.], 1986, p. 66) Uma década depois, em um dos mais influentes debates na historiografia sobre Foucault, direito e estado liberal, a historiadora Laura Engelstein reformulou o núcleo da alegação de Walzer, argumentando contra Foucault que “a contribuição do liberalismo não é substituir uma legalidade intrinsecamente ideológica pelo poder normativo de um regime disciplinar igualmente desigual e não-livre, mas substituir a aliança entre disciplina e o estado administrativo por uma configuração que enquadra a operação da disciplina dentro do limites da lei” (ENGELSTEIN, 1993, p. 344). Reconhecendo o inovador caminho feito na teoria do estado, Lawrence Stone insistiu que “nem Foucault foi de grande ajuda na reorientação da historiografia para o estado. Embora ele fosse obcecado com relações de poder na história, ele limitou sua atenção a instituições secundárias como a família, os hospitais e as prisões ou a conceitos éticos como os que regem o comportamento sexual” (STONE, 1994, p. 1).

Aqueles que se basearam no trabalho de Foucault responderam que se o trabalho do autor não apresenta uma concepção de estado, é porque ele intencionalmente queria chamar nossa atenção para outro lugar. Leitores cuidadosos de Foucault, como Nikolas Rose, Peter Miller, Colin Gordon, Graham Burchell e muitos outros enfatizaram o foco de Foucault na governamentalidade em vez de no estado. No início dos anos 1990, Nikolas Rose nos convidou a usar o trabalho de Foucault para pensar no “poder político além do estado”, insistindo que “o estado não tem necessidade ou funcionalidade” (MILLER; ROSE, 1992, p. 176). Ele argumentou que o estado faz parte de um processo maior de governamentalização, usado para delinear áreas que podem ser tratadas como objetos do poder estatal e aquelas que não podem. O estado para Foucault, nessa perspectiva, “não tem propensões; de forma mais ampla, o estado não tem essência.” O poder de compreensão, então, tem sido argumentado, requer uma reversão da problemática entre governo e estado: “a natureza da instituição estado é, segundo Foucault, uma função das mudanças nas práticas de governo, e não o contrário. A teoria política dá muita atenção às instituições e pouco às práticas” (BURCHELL; GORDON; MILLER (Eds.), 1991, p. 4).

Como veremos, o que se segue não contesta esta interpretação da relação entre o estado e governamentalidade no trabalho de Foucault e certamente não nega a tentativa de Foucault de marginalizar o estado. No entanto, se opõe a duas suposições subjacentes a essas análises. Primeiro, a teoria do estado que se toma como verdadeira. Walzer e Engelstein estão convencidos de que a rule of law é uma força essencial no intuito de conter o estado. Por outro lado, Colin Gordon argumentou em The Foucault Effect que “a teoria do estado tenta deduzir as atividades modernas de governo de propriedades e propensões essenciais do Estado, em particular sua suposta propensão a crescer e engolir ou colonizar tudo fora de si.” Da mesma forma, Rose e Miller sugerem que “[O]s analistas tratam os estados como atores unificados com considerável autonomia, governando internamente e buscando seus interesses no cenário mundial por meio da diplomacia e da guerra.” “Nós argumentamos”, eles continuam, apresentando sua correção, “que tal perspectiva obscurece as características das formas modernas de poder político” (MILLER; ROSE, 1992, p. 176). Definindo o estado nesse sentido leva então à segunda suposição tácita nessas críticas do estado: dado que é assim que eles têm entendido o estado, o trabalho de Foucault não é apenas inútil mas, além disso, o estado tem pouco espaço em seu projeto, que enfatizou a governamentalidade sobre o estado.

Sem dúvida, é verdade que se alguém entende o estado em uma associação política liberal, ou seja, pelo direito e pela sociedade civil, como um conjunto de propriedades essenciais que lentamente colonizam o que é “externo” a ele, ou como atores autônomos definidos pela diplomacia e pela guerra, então Foucault tem pouco a nos dizer sobre o estado. No entanto, não se extrai daí que ele não seja útil para compreender o estado que emergiu da literatura das ciências sociais dos últimos vinte e cinco anos, que difere consideravelmente do retrato empobrecido presente em tais análises. O que se segue, fornece uma visão de como Foucault pode ajudar a informar algumas das principais lições aprendidas sobre o estado democrático liberal como descrito na literatura recente. Eu começo com a questão fundamental acerca do interesse de Foucault no estado e uma tentativa de extrair elementos da análise de Foucault antes de recorrer à investigação de como a abordagem de Foucault pode informar o estado da arte atual. O objetivo não é esboçar uma teoria do estado no trabalho de Foucault que possibilitará então deduzir ações governamentais que se seguiram. Pelo contrário, adotando o método de Foucault, procuro apresentar uma perspectiva necessariamente incompleta sobre como as numerosas declarações de Foucault sobre o estado podem ser lidas para esclarecer as descobertas empíricas que têm surgido em nossas investigações.

A ironia de redefinir o poder do estado através de sua rejeição tem um longa história. Foucault fazia regularmente comentários como o citado na epígrafe acima, destacando sua profunda ambivalência em relação ao problema do estado. Claro, é possível presumir que ele não estava interessado no estado e queria dedicar sua atenção a outras questões. No entanto também é possível ler a ambivalência de Foucault no que concerne ao estado sob uma luz positiva, como este ensaio tenta fazer. Pois, em um momento em que alguns cientistas sociais estão sendo mais uma vez atormentados por dúvidas sobre a eficácia do estudo do estado, essa ambivalência pode ser muito útil. De fato, a ambivalência de Foucault pode ser lida como uma modalidade positiva de dúvida epistemológica.[8] Em outras palavras, a dúvida de Foucault sobre o valor analítico do estudo do estado não era uma objeção ao conceito de estado, mas um ponto de partida positivo para reconsiderar alguns dos elementos mais básicos da modernidade política.[9]

Ao longo de suas palestras e entrevistas, Foucault insistiu que partir da posição do estado era problemático. Foucault sugeriu especificamente que “metodologicamente”, sua abordagem necessita deixar o problema do Estado, do aparato estatal, de lado.” (FOUCAULT, 20008, p. 16) Ele foi ainda mais longe, argumentando que “não podemos usar a noção de aparelho estatal, porque é muito ampla, abstrata demais para designar esses poderes capilares imediatos e minúsculos que são exercidos sobre o corpo, sobre o comportamento, sobre as ações e sobre o tempo dos indivíduos. O aparato estatal não leva essa microfísica de poder em conta.” (ibid.)

Mas qual foi esse estado que Foucault deixou de lado? Em suas primeiras palestras no College de France, ou seja, as da primeira metade da década de 1970, incluindo A Sociedade Punitiva (1972-1973) e O Poder Psiquiátrico (1973-1974), Foucault insistiu em ir além das concepções marxistas de estado, em particular das de Althusser. Como Bernard Harcourt mostrou, Foucault desafiou a interpretação de Althusser do “aparelho estatal”, apresentada em seu Idéologie et appareils idéologiques de l’État.[10] Resumindo sua crítica em uma entrevista publicada na revista marxista de geografia Hérodote, afirmou: “[C]onsequentemente, se alguém quiser compreender os mecanismos do poder em seus detalhes e complexidade, não pode se limitar a analisar o aparato estatal sozinho.” (GORDON (Ed.), 1980, p. 72) Foucault estava especificamente interessado em deixar de lado o “aparato” estatal, ou, poder-se-ia dizer, o estado como um conjunto de instituições que promulga e naturaliza ideologias promulgadas e naturalizadas geradas por modos de produção sociais e econômicos. Em entrevista concedida em 1977, Foucault reiterou sua posição sobre o estado, alegando que “a ideia de que o estado deve, como fonte ou ponto de confluência de poder, ser invocado para explicar todos os aparatos nos quais o poder está organizado não me parece muito proveitosa para a historiografia ou, ainda, poder-se-ia dizer que sua fecundidade foi esgotada.” (ibid., p. 188)

No entanto, suas investigações sugeriram que ele não queria deixar a questão do estado de lado inteiramente. Por exemplo, ele afirmou que esperava lançar luz sobre “como o Estado e as formas familiares de poder mantiveram sua especificidade e só foram capazes de se relacionarem ao se garantir que as maneiras específicas pelas quais cada um deles operava seriam respeitados.” (ibid., p. 189) Seu interesse pelas “formas” de estado ao invés de pelo “aparato” de estado sugere que Foucault queria se afastar de um foco nas instituições e nas ideologias e se aproximar de uma análise acerca de como o estado participava em relações mais maleáveis e porosas com diferentes formas de emprego de poder. Em suma, as discussões de Foucault sobre o estado mostraram menos interesse em abandonar inteiramente a discussão acerca do Estado do que em reconsiderar seu lugar em um conjunto maior de relações de poder que penetravam muito além do aparato específico do estado.

Em suas palestras de 1977-1978 sobre Segurança, Território e População, Foucault abriu dois anos de estudos nos quais ele abordou o problema do estado diretamente. Esclarecendo sua abordagem, ele argumentou: “Conhecemos o fascínio que o amor ou o horror ao estado exerce hoje; conhecemos nosso apego ao nascimento do estado, à sua história, seu avanço, seu poder e seus abusos.” Tal fascínio, ele argumentou, levou a uma ênfase excessiva no estado, que assumiu duas formas. Primeiro, parafraseando Nietzsche e aludindo à concepção liberal do estado, ele afirmou, “uma forma imediata, afetiva e trágica é o lirismo do monstro frio que nos confronta.” “Mas”, ele continua, concentrando-se mais especificamente na concepção marxista, esta postura também poderia ser “redutiva” porque percebia o Estado “como o alvo a ser atacado e, como vocês bem sabem, como a posição privilegiada a ser ocupada.” (FOUCAULT, 2007) Um das principais preocupações de Foucault era evitar “supervalorizar” o problema do estado, estabelecendo-o como um locus específico que poderia ser controlado ou possuído.

Então, apesar de todos os seus comentários duvidando da eficácia do estudo do estado, Foucault continuamente trouxe o estado de volta à baila. Seu crescente interesse pelo Estado no final da década de 1970 pode ser explicado em parte pelo relaxamento do domínio marxista sobre a história política e sobre a teoria do estado, especialmente como resultado do trabalho de membros da Ssegunda Eesquerda como Claude Lefort, Cornelius Castoriadis, Pierre Rosanvallon, bem como de ataques liberais mais diretos por parte de figuras como François Furet e Marcel Gauchet, entre outros. Como esses autores elaboraram seus paradigmas anti-totalitários e anti-marxistas, Foucault buscou cada vez mais dialogar com eles, deixando de lado a necessidade premente de um envolvimento direto com o marxismo.[11] Além disso, dentro do real corpo da obra de Foucault, o afastamento de uma resposta às concepções de estado marxistas estava sem dúvida também ligada à sua crescente ênfase na governamentalidade. O que é particularmente interessante neste contexto é o conjunto muito original de declarações que ele fez sobre o estado neste processo de colocá-lo de lado.

“Temos que estudar o poder fora do modelo do Leviatã”, ele argumentou em sua obra Em Defesa da Sociedade, “fora do campo delineado pela soberania jurídica e pela instituição do Estado” (FOUCAULT, SMD, p. 34). Exatamente o que Foucault quer dizer com essas afirmações? Sua preocupação em deslocar o estado do centro da análise política estava entrelaçada com o seu interesse em revelar a complexidade das relações de poder e minar a ideia de uma fonte central ou aparato de poder que pudesse ser tomada por um grupo de interesses específico. Funcionando por dentro da disciplina, da segurança e da biopolítica, regimes de poder maiores, Foucault argumentava que o estado não era um dado do qual todo um conjunto de poder relações poderiam ser deduzidas. O estado não possuía uma estrutura teórica a ser descoberta e diagnosticada. “É claro que você poderia me fazer a pergunta ou objeção: mais uma vez você desfaz de uma teoria do estado. Bem, eu responderia, sim, sim, eu quero, eu devo desfazer de uma teoria do estado, como se pode e deve renunciar a um refeição indigesta.” (FOUCAULT, 2008, p. 77) No entanto, ele explicou essa posição perguntando: “O que significa fazer desfazer de uma teoria do estado? Se você disser que, em minhas análises, cancelo a presença e o efeito dos mecanismos estatais, então eu responderia: errado, você está enganado ou quer se enganar, para dizer a verdade eu faço exatamente o oposto disto.” (ibid.) Na verdade, ele argumentava, “o problema de submeter ao controle estatal, da ‘estatização’ (étatisation) está no cerne das questões que eu tentei abordar.” (ibid.) Suas dúvidas sobre a utilidade de uma teoria do estado, então, não se amontavam a uma refusa em levar em consideração o estado tout court. Foucault não nos empurrou “além do estado”, mas em direção a uma compreensão mais flexível e abrangente acerca de como o estado estava incorporado em um regime mais amplo de relações de poder. Ou, como Michael Senellart ressalta, no trabalho de Foucault “não é uma questão de se negar o estado nem de instalá-lo em uma posição de supremacia.” (FOUCAULT, 2007, p. 494)

Elementos do estado segundo Foucault. Assim, Foucault constantemente pressionou o estado à periferia de suas investigações, a fim de reunir uma nova perspectiva de seu lugar na geração, implantação e manutenção do poder. Além disso, ele fez isso cultivando um suspeita implacável do estado como uma categoria. Destilando os comentários mais diretos de Foucault – “o estado é…” – podemos então extrair um conjunto de dimensões que nos permite descobrir uma visão profundamente original do Estado. Nas primeiras páginas de suas palestras sobre o Nascimento da Biopolítica, ele inicia com a provocativa hipótese: “O estado é ao mesmo tempo o que existe, mas que ainda não existe o suficiente.” (FOUCAULT, 2008, p. 4) “O estado não é um monstro frio”, ele continua, “é o correlativo de uma maneira particular de governar.” (ibid., p. 6) Voltando ao tema do estado posteriormente nas mesmas palestras, ele estendeu sua definição: “O estado não é um universal nem por si só uma fonte autônoma de poder. O estado nada mais é do que o efeito, o perfil, a forma móvel de uma estatização perpétua (estatização) ou estatizações, no sentido de transações incessantes que modificam, movem ou mudam drasticamente…” (ibid., p. 77) Ele então concluiu: “O estado nada mais é do que o efeito móvel de um regime de múltiplas governamentalidades.” (ibid.)

A partir dessas afirmações, é possível formular uma série de características da noção de estado de Foucault. Primeiro, o Estado não é “uma coisa coerente.” Ou seja, ele é um processo, “uma estatização perpétua” ou até vários processos de “estatizações”. Segundo, ele não é autônomo. Ou seja, não é um objeto que, como ele explicou em outra obra, possa ser possuído ou controlado em sua totalidade, ou que obedece a sua própria lógica independente de um contexto maior de poder. A formulação positiva dessa noção significaria que o estado é incorporado em redes maiores de poder. O estado não permanece fora ou determina a implantação do poder, mas está atrelado e compartilha de um nexo de poder. Terceiro, o estado não é universal, mas é, na verdade, uma “forma móvel” ou um “efeito móvel”. O estado precisa, então, ser entendido em suas múltiplas dimensões a partir do que ele faz e não do que ele é; nós não podemos entender o estado como algo que existe com características específicas que devem ser descobertas. Na verdade, nós devemos examinar as relações de poder e buscar onde o estado parece emergir nas “transações que modificam, movem ou mudam drasticamente.” Por último, o estado é algo que ao mesmo tempo está presente – ele “existe” – e está sempre necessariamente tornando-se – “ainda não existe o suficiente”. A partir dessa reivindicação e do método mais amplo de Foucault, podemos sugerir que o estado só pode ser entendido como uma história.

Podemos, portanto, dar uma ideia aproximada do estado no trabalho de Foucault como 1) processo; 2) incorporado; 3) efeito; 4) histórico. No nível mais abstrato, podemos entender a visão foucaultiana do estado como um processo histórico de incorporação de certos efeitos. Uma abordagem tão complexa para declarar processos nos distancia da visão marxista e liberal do Estado. Ao mesmo tempo, evita os contornos de uma ênfase weberiana na autonomia, na burocratização, na racionalização ou no monopólio de violência legítima que dominaram outras tentativas contemporâneas de sair do quadro liberal e neomarxista. Por fim, ela aponta rumo a um entendimento amplo e flexível do poder do Estado como algo que pode ser estudado através do que faz e não por um noção ideal-típica de seus meios. Essa interpretação dos escritos de Foucault sobre o estado desafiam a ideia de que o trabalho de Foucault foi simplesmente um afastar-se do estudo do estado. Apesar de Foucault ter desafiado noções de soberania e de um estado autônomo unitário, dificilmente podemos considerá-lo um anti-estatista radical. Elaborar cada um desses elementos no contexto de trabalhos recentes sobre o estado pode nos ajudar a trabalhar em direção a uma reconceitualização do estado moderno que corresponda mais firmemente às nossas descobertas empíricas.

 

PROCESSO. COMO O ESTADO ACONTECE.

 

No coração da reinterpretação do estado por Foucault estava seu argumento de que o estado não foi definido por seus meios específicos, instituições ou partes, mas sim como um processo interativo. Pondo o Estado como um tipo e como uma forma de poder entre outros, Foucault abriu um caminho para pensar em como os diferentes modos de poder se tornaram “estatizados” (ou não) ao longo do tempo. “É certo que o estado em nossas sociedades contemporâneas não é apenas uma das formas ou um dos locais – seja o mais importante – para o exercício do poder, mas, de certo modo, todos os outros tipos de relações de poder se referem a ele.” “Mas,” Foucault continua, “não é porque cada um deles é derivado do estado. É mais porque houve uma estatização das relações de poder.” (FOUCAULT, SP) Foucault concedeu ao processo estatal de nossa era contemporânea um lugar importante dentro da miríade de relações de poder existentes entre indivíduos, instituições e práticas. Ele não postulou, no entanto, o próprio estado como um ponto estático do qual essas outras relações emergiam.

Central para o processo estatal era seu argumento em torno da governamentalidade. Uma das principais contribuições da noção de governamentalidade, ou especificamente da “governamentalização do estado” era mostrar como o estado era posto (de volta) nas equações de poder ou deixado de lado de forma a tornar a governança mais efetiva. De fato, o argumento de Foucault de que “[O] que é importante para a nossa modernidade, ou seja, para o nosso presente, não é então a aquisição da sociedade pelo estado (étatisation), tanto quanto o que eu chamaria de ‘governamentalização’ do estado”, é um argumento para entender como o próprio estado se tornou um meio de governar. Tecendo uma relação de poder, a capacidade do estado de governar foi aumentada através do estabelecimento de limites para si e da definição de sua relação com a sociedade. Em outras palavras, o processo estatal não era algo que existia ou uma lista de tarefas mais ou menos efetivamente concluídas – uma perspectiva que leva a argumentos agora obsoletos sobre estados fracos ou fortes – foi um processo mais flexível em que o estado foi invocado ou não com o objetivo de tornar práticas, objetos e populações mais ou menos efetivamente governáveis. Foucault argumentou, portanto, que no centro da construção do estado moderno não estavam um aparato administrativo, uma burocracia fiscal ou um exército. Em vez disso, ele olhou em uma direção bem diferente:

 

A governamentalização do estado é um fenômeno particularmente contorcido, vez que os problemas de governamentalidade e as técnicas de governo se tornaram a única aposta política e o único espaço real de conflito e contestação políticos, mas é, ainda assim, o que permite que o estado sobreviva. E é provável que, se o estado é o que é hoje, seja graças a essa governamentalidade que lhe é ao mesmo tempo interna e externa, vez que são suas táticas de governo que permitem a definição contínua do que deve ou não se submeter ao domínio do estado, o que é público e o que é privado, o que está e o que não está sob competência do estado e assim por diante. (FOUCAULT, 2007, p. 144 – 145)

 

O processo de formação do estado ocorreu então através do próprio exercício de se estabelecer limites entre o estado e a sociedade civil, intervenção administrativa e laissez-faire, restrição e expressão individual. Desde o século XVIII, essas oposições ostensivas têm sido elaboradas, argumenta Foucault, uma em relação a outra. O estado surgiu negociando a relação entre essas oposições, não as limitando, as inflando ou as banindo. Tal abordagem é paralela a estudos que se mostraram eficazes para pensar sobre o estado na história dos EUA, onde historiadores afirmaram recentemente “que uma fonte grande e pouco estudada do dinamismo do estado americano surge nos limites da autoridade pública. De fato, parece que essas fronteiras não são simplesmente loci de visibilidade, mas geradores de poder. Pode-se dizer que o poder do estado é precisamente essa capacidade de convocar o poder social à projeção além dos limites de suas origens sociais (seja a família, a comunidade local, , a região ou a nação) inscrevendo legitimamente ou reforçando os limites da autoridade pública e privada para um uso efetivo.” (NOVAK; SAWYER; SPARROW, 2015)

Definir o Estado como processo vai na direção oposta à definição weberiana amplamente usada, de estado como monopólio dos meios legítimos de violência: o estado se torna ao mesmo tempo muito menos e muito mais. É muito menos porque o Estado não tem – nunca teve e sem dúvida nunca terá – o monopólio dos meios do poder coercitivo. Da mesma forma, o estado perde em substância, como uma ideia com a qual outros estados mais fracos ou mais fortes podem ser comparados. Mas também se torna algo mais promissor, na medida em que o processo estatal se desenvolve e se mantém unido por meio de vários modos de implantar coerção e gerar consenso. As capacidades do estado aumentam não conforme membros de instituições, funcionários públicos, ou poderes executivos descobrem maneiras de realizar suas propriedades inerentes, mas através do processo pelo qual é invocado e interage com outros modos e práticas de exercício do poder: “Eu diria que o Estado consiste na codificação de todo um número de relações de poder que tornam possível seu funcionamento.” (GORDON, 1980, p. 122) Uma maneira de definir o processo estatal seria sugerir que é uma maneira de racionalizar um determinado conjunto de relações de poder em um determinado contexto. Do ponto de vista histórico, essa abordagem levanta a questão da “entrada do estado no campo da prática e do pensamento”. Ou seja, como e quando o Estado pôde se tornar uma capacidade legitimadora ou algo que precisava ser invocado ou evitado. Foucault também se refere a essa crescente urgência de invocar o estado nos séculos XVI e XVII como um “desejo pelo estado.” (FOUCAULT, 1994, p. 618)

Deve-se salientar que, sob essa perspectiva, apenas no nível mais superficial faria sentido argumentar historicamente sobre grupos ou práticas que estavam fora do estado, que o estado lentamente colonizou para colocar sob seu controle. Poder-se-ia argumentar, ao contrário, que o processo estatal operou exatamente da maneira oposta: o estado não “centralizou” o poder da maneira como normalmente afirmamos, superando a resistência na periferia. Em vez disso, ganhou consistência – o tecido do estado engrossa e afina, por assim dizer – por meio de interações entre vários grupos ou práticas ao longo do tempo, mudando em resposta aos modos de governo. Na era moderna, o estado proporcionou um horizonte procedimental para a organização de práticas e um senso de unidade entre os diferentes modos de exercer o poder – ou em outras palavras, sua história inclui o processo de sua teorização. É nesse sentido que os processos do estado devem ser entendidos como simultaneamente históricos e teóricos, porque o próprio estado não pode ser divorciado das ideias que temos sobre o que o estado pode ou não fazer. Como afirmou Timothy Mitchell, baseando-se na interpretação de Foucault do estado: “o fenômeno que chamamos de ‘estado’ surge de técnicas que permitem que práticas materiais mundanas assumam a aparência de uma forma abstrata e não material. Qualquer tentativa de distinguir a aparência abstrata ou ideal do estado de sua realidade material, ao tomar como certa essa distinção, deixará de compreendê-la.” (STEINMETZ (Ed.), 1999, p. 77)

As tecnologias de poder, que dão ânimo ao Estado, baseiam-se na elaboração de relações “inventadas e organizadas tomando como pontos de partida as condições locais e as necessidades particulares. Eles tomaram forma de maneira fragmentada.” (GORDON, 1980, p. 158 – 159) A história do estado é o resultado, então, não da formação de um monopólio sobre meios legítimos de violência, mas faz parte de um processo necessariamente mais incompleto no qual a construção de hierarquias e de legitimidade ocorre através do processo de invocação do próprio estado. Como resultado, os processos estatais não podem ocorrer sem interações constantes com outras fontes e práticas de poder. Foucault apela à noção de “estatização” ou “étatisation” para capturar “as transações incessantes que modificam, ou movem ou alteram drasticamente ou deslocam insidiosamente fontes de financiamento, modos de investimento, centros de tomada de decisão, formas e tipos de controle, relações entre potências locais, a autoridade central e assim por diante.” (FOUCAULT, 2008, p. 77) O que ele chama em outras arenas como uma “realidade transacional”. No cerne dessa concepção está a ideia de que o estado não faz necessariamente referência a uma realidade unificada e subjacente e, no entanto, é “não obstante real”, que ele “nasce precisamente da interação das relações de poder e tudo o mais [que] constantemente delas foge, na interface, por assim dizer, de governantes e governados.” (ibid., p. 297) Adaptando a invocação do pragmatismo por William Novak – verdade é o que acontece com uma ideia – para pensar sobre o estado, seria possível dizer que, para Foucault, o estado é o que acontece com organizações, práticas, pessoas etc. (NOVAK, 2008, p. 764)

Em vez de postular as incapacidades do Estado, torna-se uma questão de investigar onde o Estado surgiu como um problema, quem o invoca e de que maneira ele parece ser uma solução. Um efeito imediato de tal interpretação é um achatamento ostensivo do estado ou, como Charles Taylor colocou, “esse poder não é detido por um sujeito”, mas, ele continua, “é uma forma complexa de organização na qual todos estamos envolvidos”. (TAYLOR, 1985, p. 159) Isso não quer dizer que não exista uma hierarquia própria ao estado. Como Foucault esclarece, é óbvio que os sistemas de poder assumem “forma piramidal”. Há um topo e uma base, com tomadores de decisão, políticas, diretrizes, juízes, executivos e legisladores. Mas mesmo dentro dessas estruturas hierárquicas, “essa cúpula não forma a ‘fonte’ ou ‘princípio’ da qual todo poder deriva.” (GORDON, 1980, p. 158 – 159)

Essa abordagem pode ser vital para a compreensão de questões maiores da relação entre o estado e os principais fenômenos da modernidade política, como o império. As noções de estado como uma “coisa coerente” têm sido notoriamente insuficientes para entender as redes que deram origem aos primeiros impérios modernos e contemporâneos. Demonstrou-se ser inteiramente inadequado sugerir que o estado de alguma forma “existia” na metrópole e se espalhou em direção a terras distantes ou, alternativamente, em uma espécie de efeito bumerangue reificante, que ele foi experimentado em colônias distantes apenas para exercer todo o seu poder sobre a metrópole. Em vez disso, o estado no império emergiu sempre parcial e incompletamente construído por meio de suas interações com comerciantes, organizações, instituições e várias outras partes e práticas no território. Os estados europeus consistentemente careciam de hegemonia total e discutiam profundamente até que ponto eles deveriam lutar por esse controle ao mesmo tempo em que introduziam, nos momentos mais inesperados, várias doses de rule of law e prática democrática, enquanto exerciam uma brutalidade inédita em ação e discurso. Ao mesmo tempo, impérios informais como os que surgiram na segunda metade do século XX, aquilo que James Sparrow chamou, se referindo ao caso americano, de “o estado extrínseco” no mundo do pós-guerra, parecem casos particularmente adequados para entender como os processos estatais que foram pensados como intervenção estatal foram invocados e rejeitados nacional e internacionalmente.

 

INCORPORADO. REDES SOCIAIS DE PODER ESTADUAL

 

A importante onda de estudos sobre o estado das décadas de 1970 e 1980 colocou uma ênfase particular na distinção entre estado e sociedade. Da análise neo-weberiana de Birnbaum e Badie do estado francês à ênfase na autonomia do estado de Skocpol et al., a questão do estabelecimento de limites entre o estado e a sociedade estava no centro da discussão do retorno do estado. É preciso apenas olhar para trás até o Sobre a Autonomia do Estado Democrático de Nordlinger (1982), para descobrir uma tentativa de reconsiderar o estado democrático a partir da perspectiva da oposição entre estado e sociedade. Articulando um importante corretivo às abordagens então dominantes da primazia da sociedade nas ciências sociais, Nordlinger afirmou: “Não importa o quão convincente seja a perspectiva da primazia da sociedade, só é possível, mesmo em princípio, estabelecer o impacto forte e extenso das restrições sociais distinguindo entre estado e sociedade.” (NORDINGLER, 1982, p. 5) Este trabalho foi construído firmemente sobre uma oposição entre estado e sociedade, como se os dois nunca pudessem ser vistos juntos na mesma sala. Mas, como no cenário de um filme ruim, começa-se a se perguntar se o fato de nunca poderem ser vistos juntos não sugere, em última instância, que eles sejam menos distintos do que pensávamos no passado.

A oposição sociedade-estado alimentou debates historiográficos que favoreceram aqueles que colocaram o poder no social ou que estabeleceram a autonomia do Estado, enquanto os interessados na governamentalidade insistiram que a oposição liberal entre estado e sociedade era em si uma ferramenta de governança. Mas se levarmos a sério a perspectiva de Foucault sobre o estado, parece que um de seus elementos essenciais era a recusa em isolar o estado da sociedade. De fato, sua afirmação de que “o estado não é universal nem uma fonte autônoma de poder” (FOUCAULT, 2008, p. 77) baseava-se na ideia de que o Estado só adquiria seu poder em relação a outras formas sociais. Como André Burguière apontou: “Foucault acostumou os historiadores a abordar instituições não como a história tradicional, nas formas e lugares que elas oficialmente atribuem a si mesmas e como aparato autônomo sobre a sociedade e sobre a consciência humana, mas através dos processos pelos quais elas se tornam incorporadas na sociedade. O estado não vive fechado em seus ministérios e quartéis. Ele vive dentro de nós, invadindo nossos modos de pensar e remodelando as formas de nosso consentimento com a realidade.” (BURGUIÈRE, 2009, p. 213)

O trabalho sobre o estado britânico indicou que os estados devem ser considerados em um espectro, da “interação entre estado e sociedade”, imaginando “por um lado, um estado de guarnição com autoridade onipotente e uma população abjetamente submissa; por outro, um enfraquecimento de qualquer controle formal imposto a partir do exterior, conforme os cidadãos aprendem e internalizam o que se espera deles e a vergonha social realiza o que as funções policiais costumavam fazer.” (BALDWIN, 2005, p. 26) John Hobson apresentou um argumento semelhante para a capacidade do estado da Grã-Bretanha: “Todos os estados podem estar situados ao longo de um continuum,” afirmou Hobson, “variando desde as associações políticas que estão ‘incorporadas’ às suas sociedades em uma extremidade (Grã-Bretanha), até aquelas que são ‘isoladas’ da sociedade no outro extremo (Rússia).” O estado britânico conseguiu extrair muito mais riqueza porque estava “amplamente inserido na sociedade”, concluiu. (HOBSON, 1997, p. 207)

Embora não tenha necessariamente invocado o trabalho de Foucault, grande parte do trabalho mais inovador sobre o estado nas últimas décadas se moveu em uma direção semelhante. Muitos desses estudos abriram suas análises demonstrando as limitações do modelo weberiano de autonomia para lançar luz sobre um modelo de estado liberal que se baseia na permeabilidade entre sociedade-estado.[12] Afastando-se do foco esmagador nas concepções continentais do estado e, em vez disso, detendo-se sobre os estados britânico e americano, eles descobriram poder e capacidade em um contexto institucional que antes era considerado fraco, retardatário ou limitado.[13] Desafiando o trabalho pioneiro de Stephen Skowronek, Ira Katznelson invocou “o caráter institucional do liberalismo”. “Os Estados Unidos em suas primeiras seis décadas de independência era um estado liberal assertivo, expansivo e permeável”, escreve ele. (KATZNELSON, 2002, p. 86) Com base na análise de John Brewer sobre o estado britânico no século XVIII, Katznelson explica: “As particularidades do regime como um estado liberal baseado na soberania popular, no governo por consentimento e na representação exigem uma abordagem à formação do estado que torne constitutivas essas características distintamente liberais da política.” (ibid., p. 84)

A historiografia recente mostrou que, desde o século XIX, os estados liberais procuravam minar sua autonomia por meio de relações efetivas com a sociedade civil, com a lei e com o federalismo. Como William Novak afirmou, em vez de limitar o poder do estado, provou-se que a sociedade civil, a lei e a divisão de poderes – tanto horizontalmente (entre os ramos do governo) quanto verticalmente (através de vários modos de federalismo, descentralização e delegação a órgãos privados) –colaboram com o estado, gerando uma implantação mais eficaz do seu poder. Com base no realismo jurídico, por exemplo, Novak mostrou que o governo dos EUA organizou legalmente as inúmeras associações americanas que Tocqueville usou para contrapor o governo americano ao estado intervencionista francês. (NOVAK, 2001, p. 163 – 188) O estado, ele mostrou, derivou maior eficácia de sua natureza capilar e difusa e de suas relações tentaculares com instituições regionais e locais, bem como com associações em suas periferias. (NOVAK, 2008) Como resultado, afirma, o estado adquiriu mais poderes através da sua colaboração com instituições periféricas e não através do domínio ou da colonização: o estado não era limitado pela sociedade civil, mas na verdade permitia que a sociedade civil prosperasse. Além disso, a lei não era um baluarte, impedindo a invasão do estado, mas era de fato um veículo essencial para transmitir e incorporar poder estatal na sociedade. (GARTH; KAGAN; SARAT (Eds.), 2002) Da mesma forma, Elisabeth Clemens observou que a clássica oposição liberal entre a vida associativa e a estado não fornece uma descrição adequada das maneiras pelas quais o estado colaborou com associações cívicas. (GALVIN; SHAPIRO; SKOWRONEK (Eds.), 2006) No nível do bem-estar social, Jacob Hacker e Kimberly Morgan, entre outros, observaram como o estado de bem-estar social americano foi de fato construído sobre um forte casamento entre autoridades públicas e privadas.

No cerne deste trabalho recente sobre o estado, há um renovado interesse em pensar sobre a relação estado-sociedade e em particular sobre a primazia da democratização no processo de construção do estado. Essa abordagem para a construção do estado abriu uma porta para o que podemos chamar de “estado democrático”. O adjetivo democrático aqui não deve ser entendido como normativo ou sugestivo de uma teleologia em direção a uma forma mais justa ou popular de governo do estado. Na verdade, o estado democrático seria ainda mais capaz de vigilância em massa, terror e manipulação de sua população do que muitas de suas contrapartes não democráticas. No entanto, como Rosanvallon apontou há muitos anos, nossas histórias do estado sofrem com a nossa incapacidade de fazer uma distinção entre estados totalitários, ditatoriais e democráticos. Enquanto a democracia tem sido entendida como um meio de controlar o poder do Estado, trabalho recente mostrou que o estado democrático pode ser mais efetivamente entendido como uma modalidade de quebra da autonomia do estado autonomia. O “leviatã democrático” só poderia ser construído através de uma grande expansão da participação popular e de sua interação com grupos na sociedade civil.[14]

Trabalhar o estado democrático é essencial para a compreensão do caso ostensivamente paradoxal da construção moderna do estado, o estado americano. (BALOGH, 2009) Ao escrever a história do estado americano, os historiadores demonstraram que novos níveis de conformidade foram alcançados através da redução da autonomia do Estado, bem como da invenção de novos modos de relação sociedade-estado em quase todos os setores da sociedade. Dentro do contexto dos Estados Unidos do pós-guerra, James Sparrow mostrou que o novo leviatã da guerra e do pós-guerra só poderia ser construído por uma grande expansão do grau e dos modos de participação cidadã. Durante esse período, estado e governo, incluindo a burocracia e um poder administrativo expandido, foram em parte construídos através da busca e da definição de novas relações com novos grupos de cidadãos. Acima de tudo, Sparrow coloca o desenvolvimento de um profundo estado tentacular no coração da história da recuperação da democracia americana. No construção desse enorme leviatã democrático, a pergunta se torna: como foi a relação entre um governo que estava se expandindo em sua natureza e seu escopo e a reformulação dele que seus cidadãos tiveram que fazer para conceber um vínculo democrático legítimo – e não um processo patológico de alienação social (em que a sociedade estaria divorciada de um estado autoritário despótico, que por sua vez, dependeria amplamente de coerção) ou de escravidão política (em qual o estado seria apenas um veículo simples para comunicar interesses sociais dominantes).

Estudos recentes mostraram que a construção do estado também pode se realizar por meio da democratização, ou seja, garantindo a igualdade, a individualidade e liberdades, proteção legal e voto a cidadãos.[15] Baseando-se no caso específico da raça nos Estados Unidos, Lieberman e King observaram que a legislação sobre direitos civis, por exemplo, aumentou o nível e a capacidade geral de intervenção do estado ao mesmo tempo em que gerou profunda mobilização contrária. “Contestação democrática e o poder do estado”, afirmam, “não são, como podem parecer intuitivamente, incompatíveis.” Olhando para os estados pós-soviéticos da Europa Oriental, eles também mostram que a análise de Grzymala-Busse revela como novos processos democratização, incluindo oposição e política partidária, na verdade contribuem para os processos de construção do estado. Mesmo pedidos recentes por reforma do estado na Grã-Bretanha ecoaram essas ideias: “A era da democracia – e o sufrágio universal na Grã-Bretanha ainda tem menos de 100 anos – ainda não reformulou esses centros de poder de forma democrática. Em vez disso, uma forma tímida de democracia foi enxertada neles, em vários graus”[16].

Para entender esses fenômenos, muitos historiadores buscaram o trabalho inovador de Michael Mann, e especialmente seu conceito de poder infraestrutural. Como ele argumenta, o poder infraestrutural tanto encarcera as relações estado-sociedade em nações quanto estreita essas relações. Em outras palavras, o que torna esses estados infraestruturais poderosos não é tanto sua burocracia racional autônoma quanto sua capacidade de flexibilidade, integração, resposta, penetração e organização da sociedade e dos indivíduos de maneira profunda e, às vezes, indetectáveis. Mas conforme buscamos em outros lugares por teóricos que possam nos ajudar a entender esse relacionamento, o trabalho de Foucault também pode ser útil para descobrir outra perspectiva sobre o poder da infraestrutura. Como Philip Gorski apontou, “a própria análise de Foucault de poder capilar pode ser visto como uma tentativa de teorizar a infraestrutura do estado.” (GORSKI, 2003, p. 22)

De fato, Foucault estava particularmente interessado em examinar as estruturas que apoiavam a eficácia do estado. “Eu não quero dizer que o Estado não é importante”, argumentou:

 

O que eu quero dizer é que as relações de poder e, portanto, a análise que deve ser feita delas, estende-se necessariamente além dos limites do Estado. Em dois sentidos: primeiro porque o Estado, apesar de toda a onipotência de seus aparelhos, está longe de ser capaz de ocupar todo o campo das relações de poder, e porque, além disso, o Estado só pode operar a partir de outras relações de poder já existentes. (GORDON (Ed.), 1980, p. 122)

 

Uma das contribuições mais importantes de Foucault para pensar o poder, então, foi sua tentativa de integrar o estado em outras redes e relações. Para entender o estado, era necessário explorar como o estado dependia de formas sociais como a família ou as escolas. “Para colocá-lo em termos mais concretos”, afirmou Foucault, “nós obviamente podemos descrever o aparato escolar de uma determinada sociedade ou seu conjunto de aparelhos educacionais, mas acho que podemos analisá-los efetivamente somente se não os considerarmos uma unidade global, somente se não tentarmos derivá-los de algo como a unidade da soberania estatal. Só podemos analisá-los se tentarmos ver como eles interagem, como eles se apoiam entre si, escola e estado.” (FOUCAULT, SMD, p. 45) Decompor a ideia de uma soberania unificada do estado significava reconhecer os meios pelos quais a família, as organizações educacionais, o exército e outras instituições e práticas apoiaram e foram apoiadas pelo Estado: “A frequência escolar obrigatória exige o funcionamento contínuo deste soberania, a soberania da família? Veja como, historicamente, a obrigação de serviço militar foi imposta a pessoas que claramente não tinham motivos para querer prestar o serviço militar: é apenas porque o Estado pressionou a família enquanto pequena comunidade de pai, mãe, irmãos e irmãs etc, que a obrigação do serviço militar teve força restritiva real e os indivíduos puderam ser conectados neste sistema disciplinar e tomados por ele.” (FOUCAULT, PP, p. 81) O poder do estado veio então de sua capacidade de se articular efetivamente com outros modos e práticas de poder.

 

EFEITO. AFASTANDO-SE DOS MEIOS.

 

Uma das razões pelas quais a teoria do estado de Foucault foi ignorada é pela insistência do autor de que o próprio estado não fosse o ponto de partida para estudos do poder político. Ao invés disso, ele defendia que se investigasse onde e como o estado se mostra eficaz em dadas circunstâncias. “O estado não tem coração, como bem sabemos, mas não apenas no sentido de que não tem sentimentos, bons ou ruins, mas não tem coração no sentido de que não tem interior.” (FOUCAULT, 2008, p. 90) A abordagem foucaultiana começa, então, tentando evitar preocupações metafísicas com o estado como uma coisa, no que consiste ou no que o define. Em outras palavras, ele deixa de lado a questão fundamental da soberania ou da unidade do estado. “Em vez de nos perguntar o que o soberano parece do alto”, sugeriu Foucault, “deveríamos estar tentando descobrir como múltiplos corpos, forças, energias, matérias, desejos, pensamentos e assim por diante, são gradualmente, progressivamente, realmente e materialmente constituídos como súditos ou como súdito. Entender a agência material da submissão na medida em que constitui súditos seria, poderíamos dizer, fazer exatamente o oposto do que Hobbes estava tentando para fazer no Leviatã.” (FOUCAULT, SMD, p. 28) Desvincular o estado da imagem do Leviatã ou de suas instituições foi um passo fundamental para se afastar do ideia do estado como um bloco imutável a ser rejeitado ou capturado. Ou como Foucault afirmou sucintamente, “o estado não tem uma essência.” (FOUCAULT, 2008, p. 90)

Metodologicamente, Foucault afirmou que quebrar a unidade do estado significava que, ao invés de se deduzir o poder a partir do centro e movendo-se para fora, considerando sua extensão, era necessário fazer exatamente o oposto, ou seja, buscar uma análise ascendente do poder a partir de seus menores mecanismos e examinar como essas várias tecnologias tomaram formas mais gerais de controle, incluindo a que chamamos de estado. Em vez de “tentar arrancar do estado o segredo que o constitui”, Foucault procurou lugares onde ele se cruzava com outros grupos, instituições e organizações. Mostrando como coisas como o estado surgiam de práticas concretas, ele queria “passar esses universais pela grade dessas práticas.” (ibid., p. 3)  Por esse motivo, o objetivo de suas palestras foi “sair e questionar o problema do estado, empreendendo uma investigação do problema do estado, com base nas práticas de governamentalidade.” (ibid., p. 78) Assim, uma imagem do estado contemporâneo surge através do estudo de como o estado interage com um determinado conjunto de práticas ou instituições em situações particulares. Como Thomas Lemke afirmou: “o estado deve ser entendido como um resultante emergente e complexo de práticas governamentais conflitantes e contraditórias.” (LEMKE, 2007, p. 50)

O próprio Foucault aplicou esse método à sua investigação da Razão de Estado nos séculos XVI e XVII. “Razão de estado”, afirmou, “é precisamente uma prática, ou melhor, a racionalização de uma prática, que se coloca entre um estado apresentado como dado e um estado apresentado como tendo que ser construído e feito. A arte do governo deve impor suas regras e racionalizar sua maneira de fazer as coisas pela definição de realizar o que o estado deveria ser como seu objetivo.” (FOUCAULT, 2008, p. 4) Tornar o estado autônomo, independente ou estável não era uma característica inerente ao próprio estado, sendo, na verdade, um objetivo das práticas de governança: as práticas de governamentalidade constroem um estado, não o contrário. Foucault elaborou um ponto semelhante ao discutir interpretações inadequadas, mas comuns, de seu estudo sobre o panopticismo: “O sistema do Panóptico não foi confiscado pelos aparatos do Estado; na verdade esses aparatos que repousavam sobre base de pequenos, regionais e dispersos panopticismos.” A consequência, concluiu, é que “não se pode limitar a análise ao aparato estatal sozinho, se o desejo for entender os mecanismos de poder em seus detalhes e complexidade.” (GORDON (Ed.), 1980, p. 72)

Este movimento para observar o efeito do estado tem tido paralelo nos trabalhos recentes de Bruno Latour, William Novak, Craig Calhoun e outros, que sugeriram que nossas investigações sobre o estado devem evitar colocar o estado como um objeto reificado e, ao invés disso, se aproximar dele a partir de seu impacto e de seus resultados. Com base em seu trabalho sobre história da ciência, Latour insiste que o estado não pode ser base de uma teoria unificada a priori, uma que vez que ele está incessantemente sendo construído e respondendo a circunstâncias particulares. “A política é sempre sobre o cego liderando os cegos,” (LATOUR, 2007, p. 29) explica Latour. Ele continua, criticando visões neoliberais do Estado: “Um Estado que falha em proteger não é mais legítimo. Mas isso não significa que sabemos o que é um Estado e que tipo de envelope protetor ele deve ser capaz de compor.” (ibid., p. 28) Ou como Novak afirma, devemos “examinar em detalhes o que representantes do estado de todos os tipos (não apenas elites estatais, mas prefeitos, vereadores, funcionários, reguladores, cobradores de impostos, juízes administrativos, policiais, carcereiros, júris etc) realmente fizeram. A perspectiva pragmática voltada para perguntas ‘como’ orientadas para a ação – como os funcionários agiram, como as políticas foram feitas, como o governo funcionou – em oposição a questões mais essencialistas sobre a natureza ou a essência da lei ou do Estado.” (NOVAK, 2008, p. 765) Na mesma linha, Dominique Linhardt invocou especificamente a alegação foucaultiana de que “o estado é ao mesmo tempo o que existe, mas que ainda não existe suficientemente” para defender o estudo do estado através do que ele chama de “testes [épreuves] do estado”: “entendido como termo geral, suscetível de compreender os diferentes tipos de efervescência coletiva em que os estados constituíam um problema.” (LINHARDT, 2012, p. 10) Didier Fassin elaborou uma abordagem semelhante ao pedir uma investigação do estado moral. Ao fazê-lo, ele se recusa a reduzir o estado a uma abstração burocrática, optando por se concentrar em como o estado “é constituído por discursos, práticas e relações que o transformam em uma realidade concreta situada, encarnada no trabalho de seus agentes e inscrito nas questões essenciais de seu tempo.” (FASSIN, 2013)

Essas revisões do estado na história e na sociologia se distanciam claramente da ideia de que o estado pode ser capturado e conformado, definido por uma lista de critérios. Em vez disso, é uma questão de ver onde o estado encontrou outros locais e fontes de poder, explorando os efeitos dessas interações e analisando o estado com base nesses fenômenos. Como Foucault sugeriu, “insistência excessiva no desempenho (do estado) de um papel exclusivo leva ao risco de negligenciar todos os mecanismos e efeitos do poder que não passam diretamente pelo aparato estatal, mas muitas vezes sustentam o Estado com mais eficácia do que suas próprias instituições, ampliando e maximizando sua eficácia.” (GORDON (Ed.), 1980, p. 73)

Essa abordagem trabalha duro para tornar o estado mais digerível ao mesmo tempo em que abre novas e vastas avenidas para exploração. Parece particularmente promissora para investigar a construção de estados e império, onde as relações entre organizações muitas vezes permaneceram informais, híbridas e conflitantes. Enquanto Foucault tem sido usado extensivamente para examinar o colonialismo e o império, seu trabalho também pode ter muito a nos dizer sobre como o estado operava além dos limites territoriais específicos do território nacional. Como John Agnew observou, em seu trabalho sobre globalização e soberania, o poder estatal não é e nunca foi unitário. Como forma desagregadora de poder, o processo estatal mantém uma relação complexa com a produção de espaço e de instituições, por exemplo. “Mas e se a autoridade política indivisível e absoluta, implícita nesta história da soberania estatal e sua suposta base territorial, é problemática destarte?” Agnew pergunta, sugerindo que nossas análises clássicas do estado são insuficientes para entender as formas de poder do estado em escala não-nacional. “Há muito tempo a suposição tem sido”, continua ele, “de que os estados monopolizam o poder que eles distribuem ou usam para cumprir seus desejos. E se, na verdade, os estados não forem mais do que coordenadores de dispositivos para conectar e integrar redes de poder em territórios específicos?” (AGNEW, 2009, p. 101) Agnew então sugere que Foucault pode ser útil para resolver esta questão, salientando: “Foucault oferece uma concepção de poder que está simultaneamente atenta ao poder como uma capacidade e como um meio de ação e como centralizado e difuso ao mesmo tempo.” (ibid.)

De fato, é apenas investigando os efeitos, os pontos de contato e os múltiplos pontos de prática que poderemos ver como o estado está operando além de suas fronteiras ou nas margens da sociedade.[17] Como Novak também sugeriu, um dos principais problemas enfrentados pelos recentes estudos do poder estatal é “o problema de um tipo distintamente novo de poder coercitivo emergente das soberanias populares, das sociedades democráticas e das economias modernas – um poder mais difuso, menos visível, menos claramente identificado com um único indivíduo ou com uma instituição, às vezes público e privado, entrelaçado na subestrutura cotidiana da organização social e econômica moderna.” (NOVAK, 2008, p. 764)  Cientistas sociais se afastaram da ideia de entender o estado como um monopólio de meios; atualmente parece que devemos investigar seus efeitos e seus fins.

 

HISTÓRICO

 

Esses elementos da análise de Foucault estão enquadrados em sua convocação mais ampla para o estudo do estado como uma história. Como processo, incorporado e que gera efeitos, o estado não tem sido o sujeito da história se realizando, mas antes, da maneira mais enfática, ele foi historicamente construído. Nesse sentido, os escritos de Foucault sobre o estado compartilhavam semelhanças essenciais com sua análise da loucura, da prisão e da sexualidade. “Eu ponho a pergunta aos historiadores,” explicou ele no início de suas palestras sobre biopolítica, “[C]omo você pode escrever uma história se não aceita a priori a existência de coisas como o estado, a sociedade, o soberano e os súditos? Era a mesma pergunta no caso da loucura. Minha pergunta não era: existe loucura? Meu raciocínio, meu método, não era examinar se a história me dá ou me remete a algo como loucura.” Foucault então explicou seu método “[V]amos supor que a loucura não exista. Se supusermos que ela não existe, então o que a história pode fazer desses diferentes eventos e práticas aparentemente organizadas em torno de algo que deveria ser a loucura?” (FOUCAULT, 2008, p. 3) No centro dessa abordagem está uma tentativa de deixar de lado a unidade estabelecida entre categoria, prática ou conceito em estudo para explorar sua história.

Foucault elaborou especificamente a ideia de ir além da unidade a priori de um discurso ou de uma prática em sua Arqueologia do Conhecimento: “A positividade de um discurso,” escreveu Foucault, “caracteriza sua unidade ao longo do tempo.” (FOUCAULT, 1972, p. 128) Foucault tentou minar essa ideia da unidade histórica através de uma análise do que ele chamou de “a priori histórico”, em oposição a “um a priori formal”. Através dessa categoria, ele explicou que um dos papéis na produção de uma narrativa histórica é usá-la para mostrar a falta de coerência dos discursos ou das práticas que até então pareciam unificadas e constantes: “esse a priori deve levar em conta a dispersão das declarações, em todas as falhas abertas pela sua não coerência.” Ele então resumiu, afirmando que “em suma, deve-se levar em conta o fato de que o discurso tem não apenas um significado ou uma verdade, mas uma história e uma história específica que não o remete às leis de um desenvolvimento alienígena.” (ibid., p. 127) Considerando a centralidade do estado no método histórico hegeliano que Foucault criticou, pode-se argumentar que em nenhum lugar essa metodologia é mais importante do que ao se escrever a história do estado. Aplicando seus argumentos na Arqueologia especificamente ao estudo do estado, seria possível sugerir que Foucault fosse muito interessado não em redescobrir se o estado era ou não legítimo ou descobrir alguma ideia unificadora oculta do estado, mas em “libertar as condições para o surgimento de declarações” sobre o estado ou em compreender como o estado se tornou “uma condição da realidade”.

Nessa perspectiva, Foucault apresentou uma crítica condenatória a ideia de que o estado foi plantado e depois cresceu, submetendo aqueles que estavam ao seu alcance à medida que evoluía e alcançava sua verdadeira natureza e forma. “O estado está longe de ser uma espécie de dado histórico-natural que se desenvolve através de seu próprio dinamismo como um ‘monstro frio’”, escreveu. Ele sugeriu que essa imagem pudesse ser entendida como uma semente cujo fruto “gradualmente se sobrepôs a história”. Suas invocações da governamentalidade ou da “governamentalização do estado” estavam no cerne de sua compreensão histórica do estado. O estado não existe ou se desdobra na história, mas é invocado de maneiras profundamente diferentes ao longo do tempo: “O problema é como essa maneira de governar se desenvolve, qual é a sua história, como se expande, como se contrai, como é estendida a um domínio específico e como ela inventa, forma e desenvolve novas práticas. Esse é o problema, e não fazer [o estado] um policial de teatro de marionetes dominando as diferentes figuras de história.” (FOUCAULT, 2008, p. 6) Como Thomas Lemke afirmou em um dos poucos artigos dedicado a Foucault e ao estado: “O conceito de governo pretende situar historicamente a ideia de estado, refletir sobre suas condições de existência e suas regras de transformação. Uma análise do governo estuda as condições práticas sob as quais formas de estado emergem, se estabilizam e mudam – combinando e conectando diferentes e diversos ‘elementos’ de forma que, retrospectivamente, um ‘objeto’ aparece que parecia ter existido antes do processo histórico e político, presumivelmente guiando-o e dirigindo-o.” (LEMKE, 2007, p. 47)

A compreensão do estado como um processo historicamente construído tem implicações analíticas importantes. Primeiro, em uma surpreendente semelhança com o trabalho de Michael Mann ou Joel Migdal, sugere que por mais coerente que o Estado teve que parecer para afirmar sua legitimidade em determinados contextos, o próprio estado nunca teve a coerência que lhe foi atribuída, ou como sugere Michael Mann: “o estado moderno se ‘cristalizou’, muitas vezes de forma confusa.” (MANN, 1993, p. 5) Essa abordagem não é importante tão somente para superar a arrogância sócio científica, mas também é importante interpretativamente, para entender como toda uma série de agentes privados, bem como outros agentes imprevistos, e também práticas, podem ser essenciais para a construção de um estado efetivo em um determinado contexto. Em termos territoriais, julgar todos os estados de acordo com um modelo, situado em algum lugar Europa Ocidental, com uma grande burocracia e práticas autônomas e racionalizadas, torna-se altamente problemático. Da mesma forma, em termos cronológicos, torna-se menos significativo esperar por processos essenciais para a definição de um estado real, como exércitos permanentes, burocracias infladas, imposto de renda ou políticas de bem-estar social. Toda uma gama de diferentes tecnologias, parcerias e interações podem trabalhar juntas para transformar a condição de um estado. Segundo, essa compreensão do estado corrobora com a afirmação de Quentin Skinner de que “investigar a genealogia do estado é descobrir que nunca houve um conceito acordado ao qual a palavra estado correspondesse.” (SKINNER, 2009, p. 326) Nossas histórias do estado estão profundamente enraizadas às nossas histórias da nação. Como o trabalho sobre globalização tem mostrado, no entanto, essa abordagem está se tornando cada vez mais problemática. Uma compreensão completa e mais precisa do o estado só emergirá se reconhecermos sua profunda pluralidade histórica.

“O que significa renunciar a fazer uma teoria do estado?” Foucault perguntou em suas palestras sobre biopolítica: “Se significa não partir do estado considerado como uma espécie de universal político e, através de uma extensão sucessória, deduzir o status do louco, do doente, das crianças, dos delinquentes e assim por diante, em nosso tipo de sociedade, então eu respondo: Sim, é claro, estou determinado a me abster desse tipo de análise. Não há dúvida de que não se deve deduzir esse conjunto de práticas de um suposta essência do estado em e por si mesma.” (FOUCAULT, 2008, p. 77) Abandonar uma “teoria do estado” significava, então, desafiar muitas das mais profundamente assentadas ideias da modernidade política. Por esse motivo, desafiar a centralidade do estado, sua utilidade, sua integridade como uma “coisa” ou como um “objeto teórico” parece para muitos afirmar a falta de importância do estado. No entanto, essas críticas ao estudo do estado não são uma rejeição do estado como ator importante na modernidade política. Pois, como Foucault afirmou: “O Estado é superestrutural em relação a toda uma série de redes de poder que investem o corpo, a sexualidade, a família, o parentesco, o conhecimento, a tecnologia e assim por diante.” (GORDON (Ed.), 1980, p. 122) Parece então que revisitar a discussão de Foucault sobre o estado é um dos espaços mais adequados para começar nossos questionamentos sobre o passado, presente e futuro do estado.

 

Texto originalmente publicado na edição #58 da revista Lugar Comum, disponível em: http://uninomade.net/lugarcomum/58/

 

REFERÊNCIAS:

 

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[1] É Professor do Departamento de História e Ciência Política da The American University of Paris

[2] Para exemplos de tentativas de transcender a questão do estado em trabalhos recentes no campo de estudo da relação entre lei e sociedade civil, ver: GORDON; STACK, 2007, HOFFMAN, 2004, BANAKAR; TRAVERS, 2013, PILLAI et al., 2012, MILLER; ROSE, 1992, WAPNER, 1995.

[3] Ver, por exemplo, o trabalho de Robert Putnam, Bowling Alone: The Collapse and Revival of American Community ou a obra em quarto volumes L’avènement de la démocratie, de Marcel Guachet. Ambas ignoram amplamente o papel do estado na construção de uma vida social democrática.

[4] Como Alain Badiou expressou recentemente: “vemos que ‘pessoas’ aqui assume um significado que implica o desaparecimento do estado existente. Para além disso, implica o desaparecimento do próprio estado” (BADIOU et al., 2013, p. 16).

[5] Retornarei a longa lista de autores que usou Foucault para transcender o estado na primeira seção deste ensaio.

[6] Arnold Davidson escreve, por exemplo: “A contribuição central de Michel Foucault à filosofia política foi seu desenvolvimento progressivo e seu refinamento de uma nova concepção de poder, que colocou em dúvida as duas concepções reinantes de poder, a concepção jurídica, encontrada nas teorias liberais clássicas, e a concepção marxista, organizada em torno das noções de aparato estatal, classe dominante, mecanismos de conservação e superestrutura jurídica.” (FOUCAULT, PP, Introdução)

[7] Existem poucos preciosos autores que se detiveram sobre a teoria de Foucault no tanto em que ela pode ajudar-nos a entender o estado. Para essas exceções notáveis, ver LEMKE, 2007, GORSKI, 2003, e STEINMETZ, 1999.

[8] Esta abordagem é influenciada por “Cezanne’s Doubt”, de Maurice Merleau-Ponty, publicado originalmente em 1945 e republicado em JOHNSON, SMITH (Eds.), 1993.

[9] Eu sugeriria que essa parte de um metódo epistemológico mais amplo na obra de Foucault que é aparente quando ele escreve, por exemplo, “[I]maginemos que a loucura não existe” nas suas palestras sobre o Nascinento da Biopolítica (2008, p. 3). Isso dificilmente poderia ser interpretado como significando que Foucault não estivesse interessado naquilos que as sociedades chamam loucura. No entanto, isso significa que ele não está interessado em pôr a loucura como um objeto estável de análise ou de inquirição histórica. Na verdade, eu diria que ele parte da dúvida como uma posição epistemológica positiva.

[10] Bernard Harcourt, “Situation du Cours,” (FOUCAULT, 2013).

[11] Rosanvallon foi convidado para os cursos de Foucault no Collège de France no final da década de setenta. Como pontua Michel Senellart, a discussão de Foucault do liberalismo se relaciona diretamente com o trabalho de Pierre Rosanvallon em Le Capitalisme Utopique: Critique de l’idéologie économique (Paris: Seuil, 1979); ver o contexto do curso (FOUCAULT, 2008, p. 331). Foucault também apoiou diretamente o trabalho de Futret sobre a Revolução Francesa em seu “La grande colère des faits” (FOUCAULT, 1977, p. 652); ver MILLER, 1993, p. 448, n. 37.

[12] Para indicar apenas alguns, Brian Balogh, Richard Bensel, Elisabeth Clemens, Max Edling, Jacob Hacker, Richard John, Ira Katznelson, Bill Novak, Steve Pincus, Jim Sparrow…

[13] A inovadora leitura do estado americano feita por Stephen Skowronek, por exemplo, que constrói seu argumento em torno da oposição entre os estados americanos e os estados continentais: “A unidade da ordem legal americana se baseia nas vagas palavras que definem as prerrogativas constitucionais do governo nacional, elaboradas de forma ampla ou restrita, para que ele intervenha como a autoridade final nos assuntos dos governos regionais. Contrastando, a tão afamada totalidade do estado francês é manifestada pela unidade legal consolidada no Código Napoleônico e no estabelecimento do sistema das prefeituras, que trouxe um controle institucional direto e contínuo do centro nacional de governo para cada unidade territorial.”

[14] O termo “leviatã democrático” é de  Pierre  Rosanvallon,  L’Etat  en France.

[15] É uma tentativa de chegar a um acordo com uma tradição de pensamento sobre o estado que data pelo menos desde Spinoza, quando este autor afirma que “o verdadeiro objetivo do estado é a liberdade”, um argumento ecoado por Louis Blanc em meados do século XIX, ao escrever “[O] Estado em regime democrático é o poder de todo o povo, servido pelos oficiais eleitos; é o reino da liberdade”; e Bertrand de Jouvenel, em meados do século XX, em seu tratado On Power: “o monarca já teve à sua disposição uma força policial comparável à das democracias modernas.”

[16] Martin  Kettle,  The  Guardian,  31 de outubro de 2013.

[17]  Sobre essa abordagem da história do estado dos EUA, ver, a título de exemplo, NACKENOFF; NOVKOV (Eds.), 2014.

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