Migrações e práticas de criação de fronteiras

Os Estudos sobre Migrações Internacionais têm recebido contribuições das mais diversas disciplinas, como Geografia, Antropologia, Sociologia, Comunicação e Relações Internacionais, entre outras. As abordagens mais tradicionais dentro dessas áreas recorrem a uma concepção de fronteira Estatal, que separa um espaço interno (o do Estado) de outro externo (o da anarquia internacional), e é responsável pela constituição do que o geógrafo John Agnew (1994) denominou “imaginação geopolítica moderna”.  A predominância de discursos de securitização e proteção humanitária nos Estudos Migratórios é um reflexo dessa imaginação restrita ao âmbito estatal.  Por um lado, o migrante é tratado como uma ameaça e se torna alvo de um processo de securitização promovido pelo Estado. Por outro, ele também se transforma em objeto de políticas humanitárias dos Estados.

A proposta do próximo número da Revista Lugar-Comum visa discutir criticamente os pressupostos tradicionais sobre fronteiras e sua relação com as práticas de securitização e o discurso humanitário. Espera-se que os artigos submetidos possam ir além do debate sobre se as fronteiras estatais tendem a permanecer ou desaparecer em conseqüência da globalização.  O campo dos Estudos Críticos de Fronteiras tem mostrado que as fronteiras são fraturadas, perpassando a sociedade e rompendo, portanto, com a concepção tradicional dentro|fora do Estado.  Como apontado por Rob Walker (2010), a localização da fronteira não está onde ela supostamente deveria estar (entre Estados) de acordo com a concepção difundida e idealizada.

Essa descentralização das fronteiras ocorre, constantemente, a partir de “práticas de criação de fronteiras” que mostram o controle biopolítico da mobilidade na vida cotidiana, o qual também é marcado por questões raciais, de gênero, étnicas, classistas e outras. Nesse sentido, o pensamento sobre fronteira e migrações não pode se restringir à análise de políticas migratórias de Estados ou organizações internacionais, comumente baseadas no conceito territorial e fixo de fronteira, mas deve envolver a consideração da fronteira como contingente, socialmente construída, performática e uma prática biopolítica.

Este dossiê temático busca propostas que possam problematizar os discursos sobre as migrações e as fronteiras no campo internacional, sem desconsiderar o caráter interdisciplinar inerente a este tipo de estudo. Procuramos também artigos capazes de operacionalizar os conceitos dos Estudos Críticos de Fronteiras, mostrando o potencial do paradigma biopolítico para a compreensão de algumas das questões colocadas pelos fluxos migratórios.

Os interessados devem submeter artigos até 28 de fevereiro de 2021 seguindo as diretrizes para autores.

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